Chegaram juntos, pequenos, dividindo o mesmo chapéu. Nasceram em uma família de origem Libanesa. Logo foram separados - um deles ficou na capital, o outro foi pro interior. Não se sabe se tiveram notícias um do outro.
O que ficou na cidade se estabeleceu aos pés de uma colina, próximo à beira do rio, em um lugar que o impediu de atingir a plenitude. Do outro, sabe-se que foi para um local mais adequado e se desenvolveu mais. Pereceu, porém, durante uma tempestade em 1935.
Conheci o da capital em 2008. Era inverno, eu voltava à cidade depois de quatro anos. Já não me lembro da razão da visita, só posso supor. A casa ocupava quarteirões, ele se postava aos pés de um labirinto.
Idoso, majestoso e imponente, para alguns talvez até fosse intimidador. Deixou de ser mais um quando vi uma placa que estava ali, no solo, e me mostrou que era único. Registrei nosso encontro em uma imagem digital, que se perdeu em uma das trocas de computador.
Pouco mais de quinze anos depois, me lembrei dele ao ler sobre Hibakujumoku logo nas primeiras páginas do livro "Sumário de Plantas Oficiosas - Um ensaio sobre a memória da flora". O autor, Efrén Giraldo, escreveu durante a pandemia da Covid-19, na Colômbia, onde vive.
Ali, confinado, descobre que o campus onde leciona abriga uma descendente da bomba atômica de Hiroshima. "Pergunto-me quantas vezes passei diante dela, se nela prestaram atenção, se a fundiram na massa disforme de folha e bosques que "virou paisagem" cada vez que ando pelos jardins".
Em casa, de quarentena, ele não pôde saber muito mais sobre Hibakujumoku. Mas o encontro o despertou para memórias e atenções que talvez não ocorressem de outra forma. Hibakujumoku, uma canforeira cuja irmã é a árvore mais antiga do Japão, foi o início do diário que se tornou o livro de ensaios publicado em toda a América Latina.
Ler Efrén me lembrou do dia em que me encontrei com o Cedro do Líbano que vive no Jardin des Plantes, em Paris. Me emocionei ao ver de perto a árvore que tanto aparecia na minha infância, quando visitava um tio querido, descendente de libaneses e orgulhoso de sua cultura, que tinha objetos estampados com o cedro espalhados pela casa.
A leitura dos ensaios tem me acompanhado em manhãs calmas, quando degusto o café acompanhado de algumas páginas, reparando nas folhas que as formigas comeram ou nos botões de flores. Na conversa imaginária com Efrén, quis contar dessa memória das plantas, dessa árvore de 20m de altura que não cresceu mais por ter sido plantada em uma colina cheia de escombros de Lutécia, que chegou ali pelas mãos do jardineiro do Rei e que, ao contrário de Hibakujumoku, tem poucas ancestrais na terra de onde partiu.
"Talvez toda flora, mesmo aquela que vive em nossa cabeça, mereça nosso cuidado", me respondeu Efrén.
Para ler:
"Sumário de plantas oficiosas - um ensaio sobre a memória da flora", de Efrén Giraldo
Vencedor do prêmio de não-ficção Latinoamérica Independiente, publicado no Brasil pela Editora Fósforo
Enquanto leio é como se eu tivesse uma janela para espiar o cérebro do autor, conhecer suas referências e também para fazer minhas conexões. Recomendo para quem gosta de plantas e de literatura.
* Comprei este livro em dezembro de 2023, na pré-venda. No fim de fevereiro de 2024, fui selecionada para fazer parte do Programa de Parcerias da Editora Fósforo. Desde então, recebo informações sobre os lançamentos da Fósforo e do Círculo de Poemas. Além dos releases, a parceria me permite conhecer outras pessoas que escrevem e falam sobre livros nas redes sociais e nas newsletters. Por fim, também posso solicitar 12 livros por ano para receber, ler e, se quiser, escrever sobre eles. Fiquei muito feliz ao ser selecionada, pois é uma editora que gosto muito, na qual compro bastante e que publica livros que indico nos Encontros de Leitura em BH. As reflexões e opiniões seguem sendo pautados pelos meus interesses e vivências, assim pelo que acredito que quem me lê vai se interessar.*
Para visitar:
Jardin des Plantes | 57 rue Cuvier - 75005 - Paris
Criado como um jardim particular do Rei da França, é a casa de diversas espécies raras e em extinção. Grande, à beira do Rio Sena, divide o espaço com um Zoológico, com estufas e também com o Museu de História Natural de Paris. A visita aos jardins é gratuita e muito prazerosa. Os outros ambientes têm cobrança de ingresso.
Me surpreendo cada vez mais com a inusitada diversidade dessas maravilhas editadas, e com a sensibilidade da escritora; sempre me emociona pelo orgulho que tenho por estar acompanhando tão sublime ascensão espiritual e filosófica. Grato!
Esse livro da fósforo tá me seduzindo, sua News me deu mais vontade ainda de ler. E que bonita a historia dos cedros… beijo.