Quem chegou primeiro, o coelho ou o sino?
Ou quem entrega os ovos de Páscoa no Brasil e na França
A calçada estreita da rua principal tinha mais sacolas do que gente por metro quadrado. No sábado de manhã o alarido das vozes se ouvia junto ao farfalhar dos papéis celofane que embrulhavam os ovos de Páscoa.
Pilhas de caixas vazias de papelão indicavam o caminho das lojas onde, com sorte, ainda haveria algum ovo de chocolate, barra ou mimo que fosse do agrado. Como boa brasileira, todo ano estou na fila dos atrasadinhos, comprando o que tiver restado entre os dias de plantão no trabalho.
“A meninada vai fazer a festa, hein?", disse o moço do estacionamento antes de rir ao saber que minha “meninada” tem entre 30 e 70 anos. Eram mesmo muitas caixas e sacolas em minhas mãos.
No trajeto de carro até o plantão eu tentava me lembrar como foi a Páscoa de 2016, quando minha temporada parisiense já estava quase chegando ao fim. Este 2025 é um ano especialmente nostálgico para mim, pois completam-se 10 anos dessa enorme mudança de vida e é tentador fazer balanços e alimentar reminiscências.
Mas olha, nada me vinha. A frase de Wally Salomão diz que “a memória é uma ilha de edição” e quase uma década depois sei cada vez menos o que foi guardado no “bruto” ou descartado.
Tenho lembranças vívidas do Natal de 2015, pouco depois dos atentados terroristas em Paris, quando os cheiros doces, as decorações das vitrines e a vida nas ruas traziam alento. Posso recordar do pain d’épices da Pierre Hermé, coberto de chocolate com enfeites dourados. Hum… será que tinha pedacinhos de casca de laranja confitada?
Da Páscoa, porém, nada. Havia vitrines decoradas? Coelhos? Ovos de chocolate? Não sei, não me lembro. Fiz então o que venho fazendo há mais de dez anos - mandei mensagem para a Fernanda, a francesa mais montesclarense que conheço, amizade que é alimentada ano a ano apesar da distância.
Fê, a França tem tradição de ovo de chocolate? “Tem sim, mas não é o coelho da Páscoa que traz não, são os sinos da igreja", me disse ela por mensagem, com um link para a história.
Na quinta-feira santa, os sinos param de tocar. Na França e na Bélgica, acredita-se que eles deixam as igrejas em peregrinação a Roma. No domingo, com a ressurreição, eles voltam a soar e, no caminho para retornar às suas igrejas, deixam cair guloseimas de Páscoa entre as casas e jardins - é como chegam os ovos de chocolate.
O coelho é tradicional apenas na Alsácia, região colada à Alemanha. Por lá, acredita-se que um coelho branco, símbolo da fertilidade como os ovos, esconde os docinhos. Assim, faz-se um ninho para que ele se acomode e deixe os presentes de Páscoa por lá.
Não pesquisei como a tradição dos ovos de chocolate chegou ao Brasil, mas se os sinos brasileiros tivessem que ir a Roma e voltar, nosso feriado teria que ser como o dos franceses - na segunda-feira, e não na sexta-feira da Paixão. Atravessar um oceano dá trabalho, talvez houvesse atrasos.
Neste 2025 teremos um 'gostinho’ de como é ser francês, com o feriado de Tiradentes colado à Páscoa. Aproveite o seu, pois o próximo virá daqui a mais de 60 anos.
gente, que louca essa imagem dos sinos voando em peregrinação à Roma e voltando com presentinhos, rs. Merece um conto, hein?