O primeiro dia de aula foi o 15 de setembro de 2015, há quase nove anos. Pouco tempo depois, ouvi pela primeira vez a pergunta. À primeira vista, parecia curiosidade. Mas bastava seguir na conversa para perceber que estava longe disso.
“Fiz uma longa seleção, com cartas, entrevistas e testes”, explicava, para ser informada em seguida que estava na escola de comunicação mais reputada da França e que era muito difícil entrar ali. Como me senti bem-vinda!
No Celsa, a escola de comunicação da Sorbonne, me tornei “Madame Borgés” para os professores ou “Marriná” para os mais alunos.
Foi durante uma entrevista que fiz para a Itatiaia com o professor Leonardo Tonus, especialista em literatura brasileira na Sorbonne e agora catedrático da Sorbonne Nouvelle, que me dei conta de mais essa camada de ser estrangeiro/estrangeira.
“Você perde tudo, até seu nome. Marriná e Marina, uma coisa não tem nada a ver com a outra”, me disse o professor no fim da nossa conversa, quando comentava com ele a história que abre este texto.
No meu curto período na França, a cada vez que tinha a ilusão do pertencimento, vinha algo para me lembrar que eu não era verdadeiramente dali, por mais que falasse um francês quase nativo e estudasse, morasse, pagasse impostos. Mesmo mudando de nome, de endereço, eu nunca seria nativa - ainda que tivesse o privilégio de ser considerada “expatriada” e não “imigrante”.
Insuficiência
Há vezes em que me questiono o que ganho e perco ao retornar a este lugar onde sou bem-vinda, em termos. Na Feira do Livro em São Paulo, no estante da 7 Selos, um livro me arrebatou pela capa e decodificou sentimento em palavras:
“No desejo de outra língua, já existe o desejo de ser outra, de habitar outra linguagem, de encontrar nela uma chave para a porta fechada: a permissão para a invenção.”1, diz Betina González no ensaio “A obrigação de ser genial”, no livro de mesmo nome publicado pela editora Bazar do Tempo.
O francês me permite isso. O prazer de compreender códigos que permitem chegar a outras experiências, algumas mais aprofundadas que outras, algumas mais reais que outras.
Betina segue: “Falar uma língua estrangeira já é ser uma escritora de ficção. É uma locomoção, um deslocamento permanente. Somos sempre outra pessoa em outra língua, e isso tem um componente lúdico semelhante ao da ficção (também tem um componente doloroso e irônico, sobretudo quando se vive nessa língua como estrangeira há algum tempo)”2.
Marina e Marriná sou eu, mas sou outra. E nenhuma delas nunca será suficiente. Essa pergunta, “como você fez pra chegar até aqui”, sempre vai existir e sempre vai ser reformulada. A resposta importante, no entanto, não é a que dou para o outro, em qualquer língua que seja. É a que dou pra mim mesma, diariamente.
Betina González, “A obrigação de ser genial”, p. 154 - Editora Bazar do Tempo
Idem
Excelente texto. Adorei como você abordou o aprendizado de uma língua e como usar para descobrir coisas novas. A relação de pertencimento foi um toque emocionante.
Que texto interessante de ler