Milhares de pedacinhos formam o mosaico que tenho aos meus pés.
Estou em Belém, entrando no Museu do Estado do Pará. Na última das reformas, o prédio recebeu características da “chamada arquitetura fin-de-siècle, mantendo elementos tardios do rococó e do neoclássico, somando-se ao art nouveau, bem ao estilo eclético”1. Inspirado no Petit Palais de Paris? Possivelmente, como várias obras do mesmo período.
Milhares de gotas de sangue tingiram esse mesmo chão que piso durante a Cabanagem, quando indígenas, negros, ribeirinhos, mestiços e outras populações empobrecidas se levantaram contra o poder vigente à época no Pará e na região amazônica. O Palácio Lauro Sodré, que é hoje um museu, serviu de calabouço, prisão e palco de batalha e mortes.
Como eu soube disso? Graças à equipe de mediação cultural do museu, que guiou a mim e outros colegas jornalistas pelo Palácio mostrando não apenas a capela de onde saiu o primeiro Círio de Nazaré como nos atentou para o que não está explícito nem salta aos olhos.
O que não sabemos
“Ensinam a Revolução Farroupilha nas escolas, mas não a Revolta dos Malês”, ouviu Tiago Rogero da grande escritora Conceição Evaristo durante um evento literário no Rio de Janeiro, em 2018. Como ele mesmo diz, depois dessa frase sua cabeça “explodiu”.
Ela se juntou a outras inquietações do jornalista e se transformou em seu primeiro podcast, “Negra Voz”, sobre feitos de negros e negras brasileiros, no qual Evaristo é uma das entrevistadas. Foi a primeira de muitas produções com o propósito de revelar novos olhares para histórias conhecidas, agora centrados no povo negro.
Projeto Querino
“Projeto Querino - um olhar afrocentrado sobre a história do Brasil”, que chega às livrarias brasileiras neste 21 de outubro, é parte desse projeto. Derivado do podcast Projeto Querino, o livro apresenta momentos importantes da história do Brasil, como a Independência, a partir de um olhar afrocentrado, destacando a participação das populações negras nesses acontecimentos.
“Não é um livro sobre dor - embora saibamos que a dor faz parte da experiência de cada pessoa negra que nasceu ou vive no Brasil. Aqui não tem “pornô da violência”. Este é um livro sobre vitórias. Sobre alegrias, realizações, lutas e resistências. Sobre como o povo negro criou o que de melhor o Brasil tem a oferecer para os seus cidadãos e para o mundo. E não somente aquela visão estereotipada de “samba, futebol e feijoada”, que foi a única contada por tanto tempo. “Faltavam capítulos na história que nos foi ensinada na escola”, escreveu o historiador britânico-nigeriano David Olusoga”2.
Perguntas
No jornalismo e na comunicação de modo geral há uma máxima de que não há resposta ruim, há perguntas ruins.
Entendo o valor das perguntas, mas tendo a discordar. Para mim, antes das perguntas vem a curiosidade.
É a curiosidade que nos aponta o que ainda pode ser descoberto, desenvolvido, aprofundado, com a ajuda de perguntas, conversas, leituras, afirmações.
A curiosidade nos propõe novas formas de olhar. O livro de Rogero nos propõe novas formas de olhar. Os mediadores do museu de Belém nos propõem novas formas de olhar.
Vamos?
Neste ano de 2024 sou parceira da Editora Fósforo, que é a casa de Annie Ernaux no Brasil e agora publica o “Projeto Querino”. Pela parceria, recebo informações sobre os lançamentos e também posso receber exemplares ao longo do ano. O texto de hoje é fruto dessa parceria.
Até hoje, 21 de outubro, você pode comprar o livro autografado e receber alguns brindes caso compre no site da Fósforo. O livro também chegou às livrarias nesta segunda-feira.
Agradeço, também, a Nádia Farias, Thamyris Jucá, Carmem Oliveira e Ludymilla Sá, que me convidaram para uma viagem a Belém para conhecer o Círio de Nazaré, com patrocínio do Instituto Cultural Vale, e me proporcionaram bem mais do que isso.
Mais informações sobre a arquitetura e a história do museu neste link do site oficial.
Trecho da página 21 do livro “Projeto Querino - um olhar afrocentrado sobre a história do Brasil”, de Tiago Rogero.