Meu marido tem uma especialidade na cozinha francesa - “pain au lait au fromage”. Altíssima gastronomia, pães de leite comprados no supermercado tostados na frigideira com manteiga e queijo emmental.
Essa iguaria era a última fronteira a ser transposta na globalização gastronômica. Era. Na passada semanal pelo supermercado conheci a “Paderrí” - o nome, inclusive, é uma gracinha à parte1.
Oba, agora tem “panolé” no Brasil!, pensei feliz. Peguei meu pacotinho, juntei um pote de nutella, deixei o emmental de lado por motivos de custo brasil e fui pra casa animada, pensando ter encontrado a minha madeleine de Proust2.
Não o foi no gosto, mas foi, sim, na memória. A cada viagem, minha mala voltava abarrotada de produtos da França. Nunca trouxe os “panolés”, mas retornava com caixas e mais caixas de biscoitos amanteigados - meus favoritos. E também potes e mais potes de geleia. Barras de chocolate, temperos, equipamentos de confeitaria… uma longa lista.
Até que tudo isso passou a ser encontrado a alguns poucos quilômetros de distância da minha casa. Primeiro, só um supermercado importava os produtos. Agora, todos importam. Se buscar no Mercado Livre, tenho certeza que encontrarei mais variedade e mais barato.
Me dá certa dor no coração pagar de 10 a 15 reais por um pacote - o preço da nostalgia - mas me consolo fazendo a conversão pro euro. Nesse caso, quem converte se diverte sim.
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O que tem na França que não tem aqui?3 Pouquíssima coisa. Em 2012, quando passei agosto em Paris depois de me casar, me recordo de ter rodado farmácias e farmácias atrás de cosméticos para minhas amigas de trabalho. Eram caríssimos no Brasil. Hoje, vale cada vez menos a pena, ainda mais se pensarmos na diferença de pele e clima das regiões. As marcas estrangeiras fazem cosméticos adaptados às brasileiras. E aqui ainda pagamos parcelado.
Se antes minha mala voltava abarrotada de biscoitos, chocolates e afins, hoje volta com as poucas coisas que ainda não encontro no Brasil ou que são muito caras por aqui. Um livro ainda não lançado em português, livros em francês, produtos típicos e artesanais das regiões por onde passo, as folhas para fazer chá de verbena, alguns sabonetes de Marselha, por aí vai. O resto, compro por aqui mesmo.
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É fácil ver o que o encurtamento das distâncias traz de bom, não preciso mais lidar com a escassez, posso ter meus biscoitos favoritos a qualquer momento. Mas poder ter meus biscoitos favoritos a qualquer momento tem também um gostinho agridoce.
Os pacotes e mais pacotes dos crocantes amanteigados que vinham na mala eram degustados em momentos escolhidos a dedo ao longo dos meses seguintes pra evitar que acabassem. Abrir um saquinho e comer o biscoitinho tornava qualquer dia melhor ou mais especial. Hoje minha madeleine de Proust é um pouco menos potente, uma certa commodity.
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Como foi a experiência de comer o “panolé” brasileiro? Digamos que foi uma madeleine abrasileirada. É um bom pão, mata saudades, mas não é a mesma coisa que comer na França.
O fenômeno mais capitalista do mundo não permite - ainda bem! - que a gente tenha a experiência real, só uma evocação. O café em Paris é só em Paris, incluído aí o mau humor do garçom e o preço mais alto pela mesinha na calçada. O acaso te levando a descobrir seu cantinho favorito da cidade só acontece pra quem se deixa levar pelo dia, pela direção que as pernas querem seguir, e para quem está no local, aberto ao que o mundo pode oferecer.
E assim você passa a ter o seu bairro, a sua padaria, a sua loja de flores, a sua livraria. E assim você sempre tem para onde voltar, na vida ou na memória.
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Há uma característica, porém, que torna uma experiência gastronômica no Brasil o mais próximo possível em termos de gosto de uma experiência na França. Daquelas que, se você fechar o olho e degustar a primeira garfada ou mordida, você se recorda da primeira vez em que experimentou aquela delícia.
O artesanal, o saber acumulado, a escolha dos ingredientes, o cuidado, tudo isso transforma a experiência em algo memorável.
Daqui 15 dias eu volto com uma nova edição sobre sua majestade, o Croissant 🥐.
Enquanto isso, me ajuda? Pra você, qual é o melhor croissant da sua cidade no Brasil? E na França?
O que é, pra você, fundamental em um croissant 🥐?
Me conta aqui nos comentários. No meu perfil do instagram já estou compartilhando algumas imagens deliciosas dessa pesquisa. Abaixo um spoiler pra você ver o que te aguarda.
Se você não falasse francês, como tentaria traduzir “padaria”? Pois é…
“Madeleine de Proust” é uma expressão inspirada no escritor francês Marcel Proust para falar de comidas que despertam memórias. A Uiara Araújo, do Le Plat du Jour, tem um post excelente sobre isso e ainda ensina uma receita ótima de madeleine.
A pergunta inversa também é válida - o que tem aqui que não tem na França? Quase nada. Havaianas, Natura e agora até chocolates da Dengo estão por lá.