Se não tem pão, que comam croissants!
O que conecta Maria Antonieta e os croissants? Saiba como foi criado o croissant e aproveite de uma lista de endereços pra degustar os melhores de Paris
_ Amor, onde tem croissant bom em Paris? Lembra de onde a gente comeu?
_ Amor, em Paris. A gente comeu croissant na cidade inteira e todos eram bons. Não tem um lugar. Paris tem croissant bom. Ponto.
Daria para terminar essa edição com esse diálogo, recomendar que você comesse todos e quantos croissants fosse possível em Paris e fim.
Porém, há toda uma história deliciosa por trás do croissant, que inclui uma guerra, uma rainha e toneladas de manteiga. É o que conto nos próximos parágrafos.
Uma guerra
O croissant é tão, tão francês que a gente se espanta ao descobrir que ele é, na verdade, um imigrante. Nas fontes que pesquisei é consenso que ele nasceu em Viena (Áustria), em 1683. A história mais saborosa1 conta que, à época, a cidade estava sob ameaça de invasão do império otomano. Os turcos cercaram Viena na madrugada e se preparavam para atacar por meio de túneis.
Os padeiros, madrugadores, notaram a movimentação e deram o alerta, o que possibilitou a vitória do exército austríaco sobre os turcos. Para celebrar (e espezinhar, por que não?), os padeiros criaram o croissant - usaram uma massa de pão comum, deram uma melhoradinha (ainda sem manteiga e sem folhear) e o modelaram em formato de lua crescente.
Por que a lua crescente? Uma das hipóteses2 diz que já naquela época, a lua crescente era o símbolo do império otomano. E, em francês, a palavra “croissant” significa esse símbolo, a lua crescente e também o pãozinho.
Uma rainha
Maria Antonieta seria a autora da frase “se não tem pão, que comam brioches!”, que pode ter contribuído bastante para que ela acabasse na guilhotina.
Mas, antes disso, Maria Antonieta saiu de Viena, na Áustria, e levou na bagagem receitas e costumes para a corte francesa. Com ela, chegaram ao país as “viennoiseries”, que é o nome dado aos pães doces e especiais nas padarias francesas. São os croissants, os pães ao chocolate, os “panolés”, os brioches e por aí vai. O nome já diz tudo - pães trazidos de Viena, com a chegada da nova rainha.
O sucesso do produto, no entanto, só veio mais tarde, na época de Napoleão III, junto com toneladas de manteiga.
Sua majestade, a manteiga
Foi a esposa de Napoleão III, Eugénie de Montijo, que relançou a moda no Segundo Império. Porém, com uma novidade - sai a massa simples, parecida com pães e brioches, e entra a massa folhada. Agora, são os confeiteiros que produzem o croissant e, diferente dos padeiros, eles usam a massa de farinha intercalada com folhas de manteiga e recuperam o formato de lua crescente (em Paris, os padeiros tinham escolhido usar um formato comum, de baguete).
Depois disso, o sucesso fulgurante foi por causa da marca Ladurée. Seu criador, o padeiro Louis-Ernest Ladurée, transformou sua loja de confeitaria em um salão de chá. Ali, os croissants são degustados por mulheres, que podiam frequentar o local com bastante liberdade, ao contrário dos cafés, que eram reservados aos homens e às “mulheres da vida”.
Na primeira grande guerra (1914-18), o croissant já tinha se democratizado. Porém, apesar de estar na mesa dos ricos com frequência, na mesa dos mais pobres aparecia apenas em festas, aniversários e ocasiões especiais. A razão? A manteiga. Como a iguaria depende de grandes quantidades de manteiga de boa qualidade para atingir a folhagem e crocância ideais, ela não é barata. Ainda hoje é assim.
Imaginário
O croissant faz parte da imagem do francês médio pelo mundo - aquele que carrega baguete sob o braço, usa boina e por aí vai. Há dois modos de consumo que povoam o imaginário francês, de acordo com o jornal Le Monde: degustado na intimidade de um quarto de hotel, ao lado da pessoa amada, ou segurado entre os dedos e mergulhado em uma xícara de café. O chef pâtissier Cédric Grolet mostra como fazer croissants, pains au chocolat e como comer essas delícias acompanhadas de um bom café.
Variações
Além do croissant tradicional - só de manteiga - há outras opções. Croissant recheado de presunto e queijo, croissant de amêndoas… mas, não se engane. Muitas vezes, ao escolher um desses, você estará comendo um croissant amanhecido que foi “recuperado” com esses recheios. O que não impede, porém, que sejam deliciosos! O de amêndoas então, hummmmm.
Por outro lado, como a manteiga está cada vez mais cara, muitas padarias e confeitarias encontram formas de baratear o produto. Em Belo Horizonte, um bom croissant de manteiga custa, hoje, entre 9 e 15 reais. Se for muito diferente disso, desconfie.
Substituir a manteiga por margarina ou outras gorduras sintéticas pode gerar o crocante e os círculos de folheamento, mas muitas delas deixam um gosto residual estranho na boca e também uma sensação de engordurado lá no fundinho do céu da boca. Não sei você, mas eu prefiro evitar.
Guia de Croissants de Paris
História contada, vem a melhor parte: comer! E também a melhor notícia - em Paris (e na França como um todo) é bem difícil errar. Os franceses têm bastante apreço por técnicas e ingredientes. Escolhendo uma boulangerie (padaria) ou uma pâtisserie (confeitaria) é quase impossível dar errado.
Vai aqui uma listinha “non exhaustive”, como diriam os franceses. Aqui tenho zero pretensão de esgotar o tema ou dizer que são os melhores da cidade. Só quero indicar alguns que já provei e que tento comer sempre que vou à cidade.
Os famosos
Os grandes chefs pâtissiers tem lojas, padarias, salões de chá ou brunches onde é possível provar os croissants. Alguns dos mais interessantes e citados:
Uma experiência
Para quem viaja com moedas menos contadas ou quer se presentear com uma experiência única, sugiro o restaurante Le Train Bleu, na Gare de Lyon. Não acho que vale uma ida à estação de trem apenas para isso. Mas se você tiver um trem para pegar no sentido Lyon, Suíça, Itália, chegue mais cedo e passe no restaurante. Cheio de afrescos e pinturas no teto, um ambiente de opulência que vai te levar para outras épocas. Só dá pra comer o croissant no café da manhã, mas dificilmente você vai experimentar outro café tão elegante.
10ème e 11ème
Se é uma lista pessoal é CLARO que teria meu bairro. Na região próxima ao Canal Saint Martin há várias padarias, confeitarias e restaurantes - dos hipsters aos tradicionais, do coreano ao indiano e por aí vai. Nesse ambiente diverso meus favoritos são:
Les Délices de Parmentier - essa não estará em guia nenhum. Era a padaria mais próxima lá de casa, ficava na saída do metrô Goncourt, e tinha uma vitrine primorosa. Era impossível passar por la e não comprar nada. Os croissants aux amandes dela são espetaculares, assim como os croissants tradicionais e todas as outras coisas que eles vendem.
Pré-prontos
Já cometendo uma heresia, pra quem for alugar apartamento e não quiser fazer o passeio diário à padaria, ainda tem jeito de comer croissant quentinho.
Fuja dos croissants que ficam perto dos pães de forma no supermercado. Você não enfrentou horas de trens, aviões ou qualquer outro meio de transporte para isso.
Porém, a praticidade dos produtos da Picard, uma empresa que tem todo tipo de congelados, inclui mini-croissants e mini-pães de chocolate. Esses você pode comprar e assar todo dia de manhã, são bem ok.
Grandes redes
Redes de lojas vendem croissants, alguns até bem honestos. Para quem fica em hotel sem café da manhã, por exemplo, são uma mão na roda. Brinco que são tipo os hotéis de rede - pro bem ou pro mal, você já sabe qual padrão vai encontrar.
Essas redes estão por toda a França e muitas vendem a “formule pétit-déjeuner”, que é um combo de café da manhã. Geralmente um suco + croissant ou um café + croissant por alguns euros. As que mais gosto:
Péra!
Sim… tá faltando a lista de croissants de BH e de São Paulo. Tô sabendo, ficou pra próxima edição. Prometo que vai valer a pena, pois conversei com produtores, fiz fotos bonitas e, com isso tudo, pensei em uma experiência virtual de leitura, bate-papo e gastronomia. Semana que vem (ou talvez um pouquinho depois…) volto com mais informações.
Obrigada por ler até aqui! Se conhece alguém que pode aproveitar esse guia de croissants em Paris ou que se interesse por histórias curiosas, por favor, envie pra essa pessoa. E obrigada por fazer essa newsletter chegar mais longe.
Fontes consultadas: Google Arts and Culture - Le Croissant / Europe 1 - aqui e aqui / Le Monde / Livros variados de cozinha e apostila do curso de “Panificação básica” da Levain Escola de Panificação / Passeios em Paris e sites oficiais.
Escolhi a mais saborosa, mas há outras versões. Se souber ler em francês ou quiser encarar o tradutor, veja este artigo do Le Monde.
O mesmo artigo citado acima diz que é provável que a lua crescente seja homenagem ao formato da espada usada pelos turcos na época.
Quero spolier de BH pra comer essa semana, posso? 🌷
Pra mim o melhor croissant que já comi no Brasil foi em São Paulo no bairro da Liberdade. Ironia num bairro oriental encontrar a típica culinária francesa. São Paulo tem desses mistérios!! Inclua na sua lista os melhores lugares para comer croissant em Sampa tb!! bjos